terça-feira, maio 31

Especialista da UNIRIO fala sobre Ciclo de Formação

O governo de Mato Grosso deu início à implantação dos ciclos de formação humana nas escolas estaduais, em 1996. Naquele ano, 26 unidades de ensino adotaram essa prática pedagógica. Hoje às 609 escolas de ensino fundamental da rede estadual se organizam em ciclos.
Os ciclos estabelecem novas formas de organização da Educação fundamental. Os alunos que antes estudavam em séries de 1ª a 8ª, passaram a cursar três ciclos. O 1º ciclo para as crianças de 06 a 08 anos, o 2º para os pré-adolescentes de 09 a 11 e o 3º para os adolescentes de 12 a 14 anos.
Desde 2007 a Secretaria de Estado de Educação (Seduc) promove constantes formações para os profissionais da educação, visando à melhoria da qualidade do ensino ofertado pela prática dos ciclos. Na última quinta-feira (26.05), a Seduc realizou reunião formativa interna para os profissionais do órgão e do Cefapro de Cuiabá.
A atividade realizada na Secretaria contou com a participação da professora doutora em ciclos, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), Andrea Rosana Fetzner. Em um bate papo após o evento, com a assessoria de comunicação da Seduc, a professora destacou os avanços obtidos pelos ciclos na formação dos estudantes. Ela também fez uma avaliação sobre os ciclos implantados na Educação Estadual.
Confira abaixo a entrevista na íntegra

Comunicação Seduc - Quais são os pontos positivos em relação aos Ciclos?

Andrea Fetzner - Os ciclos constituem hoje numa das experiências pedagógicas mais importantes do país, no sentido de que cada região do Brasil possui redes de ensino tentando dizer o seguinte: nós não precisamos fazer escola reprodutora de conhecimento. A escola tem que ser um espaço de trabalho de trocas de conhecimentos, importantes e relevantes para os alunos, significativo para eles e suas famílias. Nesse sentido os ciclos não trabalham com conteúdos pré-estabelecidos para cada ano da escola como ocorre no sistema seriado.
A escola de ciclo tem se constituído numa escola de referência. Cerca de 30% dos alunos matriculados no país estão em escolas com essa prática pedagógica. Esses alunos têm a oportunidade de, não sendo ameaçados pela reprovação escolar, poderem construir conhecimentos voltados para as suas necessidades essenciais. Então a aprendizagem deixa de ser uma responsabilidade individual do aluno, com àquela velha máxima de que ele não aprende porque não quer, e passa a ser uma responsabilidade da escola. E a escola passa a ter a incumbência como instituição de ensino de pensar formas de aprendizado para cada aluno.


CS - O que é necessário para que os ciclos cumpram seu papel

AF - Para que os ciclos funcionem é necessário o atendimento de alguns princípios. Primeiro tem que trabalhar com temáticas que envolvam o aluno, e segundo tem que trazer assuntos atuais para as aulas. Por exemplo, a discussão do código florestal, que pode ser trabalhado de maneira interdisciplinar; a questão energética que recentemente ficou em evidência devido à questão nuclear e provocou o debate sobre qual tipo de energia o país deve investir.
Enfim, essas são temáticas que podem ser trabalhadas nos três ciclos: com as crianças com uma linguagem apropriada a elas, com os pré-adolescentes e com os adolescentes com abordagens próprias a eles. Isso tudo dentro de um currículo integrado, envolvendo português, história, geografia e as demais disciplinas.
A escola de ciclo tem como objetivo trabalhar com a formação e com as potencialidades dos alunos. O objetivo é haver a construção do conhecimento conjunto entre professores e estudantes.

CS - O que a senhora apresentou de pontos positivos para os educadores de Mato Grosso referente ao ciclo?

AF – Ontem (quarta-feira) fiz uma exposição no evento promovido pela Seduc (no Hotel Fazenda Mato Grosso, que discutiu formação integral) mais voltada para o Mais Educação que é um projeto do governo federal, em parceria com Estados e municípios. Esse programa busca trazer para a escola, conhecimentos que antes não eram tão valorizados como a dança, a música, a produção de saberes importantes do local onde a escola está inserida, entre outros.
O Mais Educação pode ser integrado a escola, quando ela é de ciclo. Assim não precisa haver um turno para as aulas regulares e outro para as atividades complementares do programa. Esse trabalho do Mais Educação pode ser integrado a matemática, português, história, geografia. Além de trazer mais pessoas para trabalharem com a escola, que não sejam somente os profissionais da educação.
Hoje (quinta-feira), aqui na Seduc, discutimos o desafio de levar um projeto (escolas de ciclo) dessa magnitude a todas as escolas do Estado, levando em consideração as características locais e regionais. As regiões de Mato Grosso têm suas identidades próprias. Os ciclos devem ser pensados para cada realidade regional do Estado, levando em consideração suas identidades e culturas .

CS - Qual a história de implantação dos ciclos, no país?

AF - No início da década de 80, quando o antigo Movimento Democrático Brasileiro (MDB) chegou ao governo de muitos Estados eles colocaram nas Secretarias de Educação gestores que passaram a implantar esse modelo dos ciclos, que já existiam em vários países da Europa.
Essas Secretarias acabaram influenciando várias cidades brasileiras que implantaram os ciclos básicos de alfabetização, para as crianças. Essa prática pedagógica já trabalhava desde àquela época com a introdução de textos para alfabetização, leitura e escrita na educação infantil; diferente do ensino seriado tradicional que trabalha a alfabetização por etapas. Primeiro, com o ensino das letras, depois da sílaba, das frases e por fim, o texto e a leitura.
A partir da década de 90 tem-se a implantação de ciclos de formação humana em São Paulo com a gestão do Paulo Freire (secretário municipal de Educação durante a administração de Luiza Erundina), Belo Horizonte com a Escola Plural e em Porto Alegre com a Escola Cidadã. Essas experiências trouxeram para a escola a importância da construção do conhecimento para formação da vida, não apenas para reprodução de conceitos filosóficos.
Já em 1996 há a implantação em maior escala, nas escolas do país. Os ciclos de formação humana consistem no 1º Ciclo de 06 a 08 anos, 2º Ciclo de 09 a 11 anos e o 3º Ciclo de 12 a 14 anos.

CS – Porque as Universidades Públicas não formam os estudantes das licenciaturas para serem professores de ciclos? Eles deixam a Universidade com uma mentalidade de ensino seriado.

Existe uma questão muito séria nas licenciaturas principalmente de matemática, filosofia, geografia e história que é um desequilíbrio entre a formação no próprio conteúdo e a formação para o ensino daquele conteúdo.
Quando o aluno tem na licenciatura conteúdos sobre ciclo de formação para as práticas de ensino, esse campo é muito extenso para uma pequena carga horária de aula. Isso o leva a priorizar coisas mais gerais, como legislação, práticas avaliativas, entre outras. Mas quando o estudante se forma e vai para o mercado de trabalho ele precisa trabalhar na escola que é onde há mais oportunidade para exercer a licenciatura, entretanto como não tem formação para entender o processo de desenvolvimento do adolescente, do pré-adolescente e da criança esse profissional passa a ter dificuldades no trabalho.
CS – Então podemos dizer que a Universidade não forma o (a) professor (a) para trabalhar com ciclo?

AF – Se analisarmos o curso de pedagogia e os estudos que eles fazem sobre as avaliações, que devem ser classificatórias e não punitivas para melhorar o processo de aprendizagem do aluno. O que significa na prática, por exemplo, que não basta verificar que o aluno não sabe ler, é preciso saber o porquê que isso está ocorrendo e ajudá-lo a superar não punindo com retenção ou reprovação.
Se avaliarmos também o que estudamos em psicologia, que deixa claro que para a pessoa aprender ela precisa está em contato com outras pessoas que já detém o conhecimento, o que significa que é melhor para o aluno que não sabe ler estar em turma com alunos que já são leitores.
Se analisarmos os estudos de currículo dentro da academia que demonstra que os conteúdos devem ser repassados de maneira integrada e não separados, que esses saberes também devem ser escolhidos de acordo com a realidade das escolas e de suas respectivas comunidades. Então podemos dizer que os conhecimentos construídos na universidade, especialmente na pedagogia só é possível de ser aplicado em escolas de ciclos.

CS – Essa prática é uma política pública de Estado. Uma política de ensino superior estabelecida pelo MEC?

AF - Olha...as Universidades possuem independência curricular. E toda a universidade tem verba para pesquisa e a maior parte dos estudos universitários aponta para a formação humana integrada, que na prática são os ciclos.

CS - A implantação dos ciclos em Mato Grosso ocorre de maneira gradativa. Qual a sua avaliação sobre isso?

AF - Eu participei de um processo em Porto Alegre (RS) de implantação de ciclos de maneira gradativa. E isso é interessante porque temos um tempo de pegar as novas experiências e expandi-las na rede de educação. Lembrando que experiência não é prática. Experiência é a reflexão sobre as práticas, pois não adianta, por exemplo, o professor ter 30 anos de magistério e ter trabalhado esse tempo todo com apenas uma prática. Então a implantação de ciclos de maneira gradativa com troca de experiências contribui para o enriquecimento desse modelo pedagógico.

CS - Qual é em sua opinião a maior resistência dos professores (as) na implantação dos ciclos?

AF - Fiz uma pesquisa sobre isso no meu doutorado. Uma das dificuldades citadas pelos professores é sobre o material de apoio didático que ainda é voltado em muitos casos para a escola seriada.
A outra dificuldade apontada eram as práticas de gestão da escola. Por exemplo, escolas que ainda trabalham com semanas de prova, o que se contradiz com o ciclo que trabalha com avaliações contínuas sem data específica para acontecer.
Eles apontaram também a dificuldade de mudança de conceito e atitude da própria escola, ou seja, muitas escolas ainda mantém uma tradição voltada para a escola seriada. Os professores citaram como exemplo a distribuição de horários de aula divididos por disciplinas sem interdisciplinaridade.

CS - A senhora participa de um Grupo de Pesquisa na UNIRIO? Discutem Ciclos?
AF - Não especificamente. O grupo está voltado para análise de avaliações e currículos. Discutimos práticas avaliativas e curriculares para as escolas. Mas dentro desses estudos estamos envolvidos com as escolas de ciclos no Estado do Rio de Janeiro, que de seus 96 municípios 33 adotam essa prática. Há pouco tempo iniciei uma pesquisa sobre as propostas curriculares sobre ciclos para esses municípios.

CS - O Brasil ainda não possui uma política central de governo voltada para a implantação dos ciclos de formação. O que está sendo feito em escala nacional?

AF - Em termos de país temos uma resolução normativa da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE) que foi discutida no final do ano passado, que trata de diretrizes curriculares para o ensino fundamental de nove anos. E essas diretrizes prevêem a implantação dos ciclos nos anos iniciais da formação (1º ciclo).

CS - Como à senhora avalia esse esforço que a Seduc faz desde 1996, para implantação dos ciclos na educação pública do Estado?

AF – Hoje nessa reunião com os educadores da Secretaria, tive relatos muito importantes referente a alunos que foram ‘enturmados’. Por exemplo, teve estudantes que por causa da idade saíram do 1º ciclo e foram direto para o terceiro ciclo sem estarem alfabetizados, e lá eles se desenvolveram, além da alfabetização aprenderam outros conteúdos. Então isso é mérito do trabalho da Secretaria e principalmente das escolas, porque o ciclo só funciona se a escola tiver vontade de fazer, se seus profissionais estiverem comprometidos com a causa.
Ouvi relatos muito bonitos por aqui que devem ser divulgados para as demais unidades de ensino. As experiências boas devem ser socializadas não somente na rede do Estado, mas também para o país.


VOLNEY ALBANO
Assessoria/Seduc-MT

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